domingo, 26 de junho de 2011

Dormiu enquanto assistia "Paris, eu te amo". Acordou com o óculos um pouco torto no rosto, por pouco não dormiu sobre o mesmo. Se levantou e bateu a canela em um banco que estava próximo, foi abrindo os olhos devagar, e percebeu que não estava em casa. Aquela não era sua cama, aqueles não eram seus discos, a foto na escrivaninha não era sua, olhou para a cama mais uma vez, e viu que havia outro corpo ali. Foi para a sala, sentou, e começou a lembrar do que tinha acontecido, e de como tinha ido parar ali. Dessa vez, a culpa não era da bebida. A noite é traiçoeira. É nela que você se sente mais vulnerável, é nela que seus sentimentos ruins ficam mais aguçados. Se você está triste, quando a madrugada chega, você se sente triste duas vezes mais. E é assim com todos os outros sentimentos, com todos os outros desejos carnais. Pela manhã, essa idéia vira do avesso. Vira arrependimento. Você quer voltar a fita, não dá. Desfazer. E agora? Como explicar? Como fazer o outro entender, que tudo que você disse pela madrugada era fruto da própria noite, e não da boca de quem dizia? Vai parecer confuso, mais uma vez. E mais uma vez ele sai nas pontas dos dedos. Sai recolhendo todas as peças de roupa. Sorrateiramente. Mas antes, resolveu deixar um bilhete:
"Eu sei, fui eu que insisti para nós pararmos aqui. Mas a culpa não é minha, nem sua. E se ambos não são culpados, o melhor que podemos fazer é tocar nossas vidas, como se "isso" só fosse "isso" e nada mais que "isso". Eu sei, da outra vez foi a mesma coisa. Talvez você esteja finalmente me conhecendo. Quem sabe? Tchau, um beijo." E é isso. Nada mudou. Continua sendo o mesmo pela manhã. Independente afetivamente, pedra no lugar do coração.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Literalmente.

Par ou ímpar foi o critério usado para escolhermos o filme que veríamos naquela noite. Com um critério tão absurdo desses, eu já previa que a noite não iria me oferecer mais que pipoca e gastos desnecessários. O filme era de ação, efeitos especiais mal bolados, e um silêncio que só era interrompido quando uma bomba no filme explodia, ou quando alguma moça da mesma fileira que a minha pedia passagem. Às vezes, dava vontade de dizer que eu iria pegar um refrigerante e sair de fininho, mas resolvi ir até o fim para não rolar aquele dedo de arrependimento depois. Ao término do filme, saímos andando sem destino, e chegamos até um barzinho próximo ao rio. Uma boa vista, e um papo bastante egocêntrico. Enquanto ele falava, eu escutava. Quando minha vez de falar era concedida, ele logo interrompia com um "Isso que você disse me fez lembrar de uma história". Ele mudou de lugar duas vezes, foi ao banheiro apenas uma, e disse a palavra "literalmente" umas quinhentas vezes, talvez para que ficasse bastante claro que literalmente não sairia nada daquele encontro. O tempo ia passando, e a minha capacidade de absorver histórias já havia se esgotado. Acho que nunca ouvi tanto alguém falar, desde o término do meu primeiro namoro em 2007. Mais uma vez, dei de comer as esperanças e elas morreram na praia, aliás, sequer chegaram a ver a cor do mar. Mas eu tinha que tentar, ir lá e tirar minhas próprias conclusões. Se não, iria ficar com aquela dúvida na cabeça de "podia ter sido ele... podia ter sido ele...". Pelo menos naquela noite, eu dormi tranquilo e vi que o pior que pode acontecer em um primeiro encontro é isso: você continuar onde estava, ainda que sozinho e com a esperança levemente reduzida.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Emprego

Voltaram as nuvens carregadas de chuva, os dias apressados, o cabelo desarrumado pelo vento, a roupa amassada depois de uma hora naquele empurra-empurra de metrô. O sapato gasto de tanto andar de lá para cá, e até agora nada. As nuvens cada vez mais escuras, os jornais alertando uma possível chuva, e até agora o que eu consegui? Olhei no espelho, uma imperfeição bem na ponta do nariz, agora está tudo perfeito. Recusei convites para sair, não há roupas limpas no armário, a moça que deveria deixar tudo em ordem não aparece há dias. E todas as mídas focadas em uma coisa só: arrancar dinheiro de casais à todo custo. E eu focado em uma coisa totalmente diferente: como vou fazer para pagar o aluguel esse mês? As vagas estão preenchidas, os cargos vagos são para o público feminino, não tenho peitos avantajados e nem uma bunda empinada, tampouco lábios carnudos. Sinto falta dos cargos concorridos à mérito de um cérebro bonito e uniforme.

domingo, 5 de junho de 2011

Deus é baixinho.

Não sei do Deus de vocês, mas o meu é de estatura pequena. E eu gosto dele assim. Pouco implicante, sempre de bom humor, sorriso largo, dentes brancos e poucos pêlos no corpo. A minha relação com Deus é assim, diferente. Eu geralmente encontro ele nos bares, em algum restaurante japonês, nunca nas Igrejas, não sei bem porquê. Meu Deus não gosta de instituições, e nem de lugares barulhentos ou silenciosos demais. Compramos uma estante esses dias para colocarmos nossos livros favoritos, os cds, essas coisas que todo mundo insiste em guardar em casa. E vamos vivendo bem. Vezenquando, remexemos as coisas velhas e brigamos. O passado sempre insiste em nos perseguir, mas é assim mesmo, não é? Acontece nas melhores famílias, me disseram. Aliás, ontem não foi ele quem fez o jantar. Fui eu. De novo. Mas não ligo, eu tenho que serví-lo, correto? Meu Deus não come arroz e feijão, nem senta na beira da calçada com um violão nos braços, tampouco curte MPB. Meu Deus é estranho, eu sei. Mas qual não é?

Não sei o que é pior,

se é ser mal atendido em uma loja de equipamentos eletrônicos, ou não achar o presente certo de aniversário. Se é acordar de mau humor, justo no dia que você precisa sorrir ao fim de uma palestra, ou se é deixar de comer por birra e passar fome nas próximas quatro horas de trabalho. Não sei o que é pior, se é acordar com a mãe espancada no quarto ao lado, ou se é deixar de dormir para vigiar a si mesmo, antes que algum marginnal se aproxime e leve seu trocadinho do dia. É melhor continuar acreditando em coisas que provavelmente já morreram, ou será que é melhor desacreditar e se jogar do sétimo andar? Uma coisa é certa: já não se fazem mais sentimentos como os da década de 60.

sábado, 4 de junho de 2011

Ensino médio.

Todo ano acontecia um evento na escola, que chamávamos de competição cultural. As turmas interessadas se inscreviam, e essa competição consistia em testar as habilidades dos alunos em dois aspectos. Conhecimentos gerais sobre os assuntos aprendidos na sala de aula e uma apresentação cultural que poderia ser mostrado em forma de dança, teatro, pintura, canto, e derivados. Além disso, era analisado pelos jurados a animação das equipes, organização e educação. Minha turma estava inscrita, e eu me lembro como se fosse hoje, quando me deixaram a frente da apresentação cultural. Na dúvida se dançava ou elaborava uma peça de teatro, resolvi que seriam feito ambos. As falas dos personagens interligadas com a história da música, e tudo se encaixava perfeitamente. Aparentemente, os integrantes haviam adorado a idéia, mas maioria não quis participar. Outras idéias surgiram, mas não achei que fossem melhores que as já apresentadas por mim. Não que eu quisesse ser o cara das melhores idéias, mas... achei que devíamos apresentar algo inovador e menos clichê. E isso acabou se chocando com a concepção da maioria, que preferia algo do cotidiano e totalmente usual. Dois dias depois, sem aviso prévio, mataram minhas idéias, e ainda tiveram a cara de pau de perguntar:

"Podemos usar seu equipamento de som para os nossos ensaios?"

Como assim? Primeiro matam minha música teatral, e depois querem usufruir dos meus objetos como se nada tivesse acontecido? Não, não. O que seria melhor, apresentar uma música de ritmo passado, ou algo que ninguém ainda tinha ouvido e arriscar no tudo ou nada? Ironicamente, estes alunos iriam trabalhar em uma área que requeria um certo dom artístico e capacidade de prever o futuro. E lá estava eu, fazendo o que não devia ser feito: me vingando. Primeiro, perdemos na organização, pois um dos alunos não vestia a cor da sua equipe e acabou deixando o grupo inteiro totalmente fora de sincronia. A idéia de apresentar algo já esperado foi um naufrágio, já que a equipe rival mostrou seu talento em um número que envolvia canto ao vivo, bailarinos e uma peça teatral como background, resultado impecável. No fim das contas, o meu grupo perdeu. A maioria se chateou, e eu não quis falar nada para não piorar as coisas, apenas deixei que refletissem, em suas mentes perturbadas pela derrota, o motivo que levou a competição a não ser acirrada. 

Enfim, com esse bloqueio de opinião, passei o resto do ano sem falar com os demais. Era como se estivesse voltado ao início das aulas, onde eu não conhecia ninguém, não estava afim de fazer amizade, e repelia qualquer um que quisesse saber alguma coisa sobre minha vida. Realmente, cheguei a conclusão de que não existe lado nenhum a não ser o meu mesmo. Vou correr sozinho, decidi.