quarta-feira, 25 de abril de 2012

O lado negro de Ana.

Menina Ana nem sempre foi boa moça. Segundo sua mãe, quando ela era pequena, comia verdura como se fosse bala de mascar. Que menina estranha, trocando hambúrgueres por brócolis. Certo dia, ela chamou duas vizinhas para brincar na área de sua casa. Ana tinha doze anos. Faz comidinha aqui, comidinha ali, se pendura na grade e pula. Repetiram isso várias vezes. Ana chamou as duas amigas para irem no seu quarto. Enquanto elas reparavam em cada detalhe e elogiavam a sua colcha rosa, o barulho da porta fechando fez as meninas se assustarem. Ana passou a chave. No início, parecia uma brincadeira. Até que meia hora depois, a porta ainda estava fechada. Mais um detalhe: as janelas também estavam fechadas. Resultado: um quarto abafado. As duas meninas começaram a gritar. Uma hora depois. As meninas começaram a chorar. Eram todas pequenas, eram todas indefesas. Não sei Ana, ela era... difícil, complexa, não sei. Ouvindo o desespero do outro lado da porta, o barulho da porta se abrindo fez as meninas saírem em disparada para fora. Como se quisessem respirar. Não entenderam a "brincadeira" de Ana, e nem ela soube explicar o que havia acontecido. Duas semanas depois daquele incidente, Ana tentaria enforcar uma das duas. Assim, brincando, pulando na grade e caindo no chão. Coisa de criança? Ana, agora adulta, apresenta normalidade social, mas dentro da sua cabeça, já aconteceram coisas que nem a Ave Maria das torradas gostaria de saber.

domingo, 22 de abril de 2012

Dois encontros com a mesma pessoa.

Era sábado, Ana decidiu ir para a balada. Precisava chacoalhar o corpo, a mente, alguns sentimentos mal resolvidos. Foi de carona com algumas amigas. Duas horas depois, decidiu ir embora. A boate ficava muito, muito longe da sua casa. Ficou um tempo parada na porta decidindo se ia de táxi ou ligava para um amigo. Nesse instante, um carro se aproximou, o vidro desceu e o rapaz perguntou se ela gostaria de uma carona. Ela pensou em dizer não, foi a primeira coisa que lhe veio a cabeça. A resposta mais sensata, mais madura para os seus dezessete anos. Ana entrou no carro. Marcelo, era o nome dele. Papo vai, papo vem. Ele a deixou em casa, mas antes de abrir a porta do carro para ela, pediu gentilmente seu número. Ana se recusou. Com um pouco de insistência, Marcelo saiu de lá com mais um contato adicionado na agenda. Ele nunca ligou. Ana esperou a ligação feito uma louca varrida, plantão dia e noite, feito uma mocinha apaixonada, boba mesmo, sabe? Dois anos passaram. Ana conheceu outros rapazes, casos de uma noite só, mas amar... amar mesmo, Ana nunca amou. Coitada, tadinha, diziam os que a conheciam. Há dois anos atrás, Ana era uma, dois anos depois, continuou quase a mesma coisa, com uma leve mudança no corte de cabelo, agora um pouco mais curto, quase nos ombros. Acreditava em príncipe encantado, óvnis, e Ave Maria aparecendo em torradas. Dessa vez, Ana já estava na faculdade. Enquanto aguardava a amiga chegar para irem juntas à sala, alguém vinha na sua direção. Sem os óculos, fechou um pouco os olhos para tentar enxergar melhor. Era ele, de novo. Ana o cumprimentou, normal, como se fosse um estranho, apenas alguém que ela conheceu no passado. Já ele, fez uma cara de que não havia entendido o porque de ela ter o abordado. O rosto de Ana corou. Obviamente, ele não se lembrava dela. Mesmo assim, houve uma breve conversa, alguns flertes, um convite, um "sim" e algumas horas depois eles estavam jantando juntos. Ana só podia ser muito chata, ou ele só podia ser um banana mesmo, porque mais uma vez, ele não ligou ou quis um segundo encontro. Ana mudou de curso. De Psicologia para Biologia. Estudar as plantas, os animais, devia ser mais fácil que estudar a cabeça dos seres humanos. Ana não queria encontrar mais sapos. Chegou em casa, pegou a torrada de Ave Maria e rezou.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Do que você tem medo?

Ele foi rápido, direto e curto: de ficar sozinho, respondeu. Não escrevia à toa, para ninguém ler. Sonhava com o dia em que andaria na rua de mãos dadas. Queria uma foto romântica em Paris. Uma foto com os amigos na Disney. Queria alguém para colocar na discagem rápida do celular. Alguém disponível quase que vinte e quatro horas por dia. Alguém com que pudesse contar. Dia e noite, noite e madrugada. Ver o sol nascer, se pôr, a lua chegar, o céu se fechar e a chuva molhar o seu rosto colado no rosto do outro. Vai dizer que não é perfeito, que não combina? Que ranzinza. O amor foi feito pra mim também, sabia? Mas aí nessa história toda, entra o fator medo. Fator esse que me desestrutura, faz doer. A indecisão, esse não saber como vou estar daqui a alguns anos. Aliás, ao que me consta, há cinco anos atrás eu estava sozinho. Hoje não mudou nada. Viu? Consegue entender a minha angústia? E se daqui a cinco anos continuar tudo do mesmo jeito? As mesmas esperanças fracassadas, as expectativas exacerbadas, as pessoas erradas. Se eu ficar seletivo demais, é capaz da pessoa certa passar e eu nem perceber. Se eu ficar aberto demais, quando ela chegar já vai encontrar tudo aos pedaços. E aí? Arriscar ou preservar? Correr ou ir devagar? Infelizmente, não existe fórmula exata. Não é química, física ou matemática. Longe de mim querer minha cara metade, amor recíproco já me bastava.

domingo, 8 de abril de 2012

Pessoas bonitas recebem mais atenção?

Diego, 24 anos, futuro dentista, sabia cozinhar, lavar, passar. Não tinha carro, andava de ônibus, às vezes de táxi. Trabalha dia e noite para pagar a faculdade, que era cara, diga-se de passagem. Sabia um pouco de tudo. Política, cultura, moda, entretenimento. Tinha opiniões formadas, muita informação arquivadas, preguiça de nada. Diego era querido, mas não era paparicado. Kleber, mesma idade, futuro administrador, não gostava de ler, mas entendia muito bem de bebidas caras. Morava próximo da casa de Diego. Tinha um pele bonita, branca, nenhum sinal de espinha, um sorriso que chamava atenção, olhos claros, cabelos curtos e lisos. Diego tinha poucos amigos, Kleber um batalhão deles. Quando estavam os dois em um grupo de dez, Kleber se destacava ao falar de suas viagens. Os comentários de Diego não eram notados. Mesmo sendo simpático, ninguém parecia dar a devida atenção ao rapaz. Ele se esforçava, os dias foram passando e ele descobriu que era engraçado, tinha uma veia cômica. usou essa veia para se destacar, mas mesmo assim ele não marcava, não era memorável. Já o Kleber, um sorriso era suficiente. Era impossível, constatou Diego: os dois não podiam sair juntos. A mesma história contada por Diego era sem graça, pelo Kleber era digna de seriado televisivo, viraria filme. Não sei, não sei. O que é beleza hoje em dia? Essa supervalorização do interior que tanto falam é tudo mentira.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Ciao.

Quando você chegou ainda era fim de tarde. Sentou do meu lado no banco, elogiou o pôr-do-sol, me ofereceu chocolate e perguntou quem seria a pessoa ideal pra mim. Eu disse que apreciava sinceridade. A resposta não agradou. Só isso? Expliquei que não me sentia mais tão exigente quanto há alguns anos atrás. Eu poderia ter dito diversas qualidades e adicionado cavalo branco, mas isso tudo foi extinto, está sendo. Hoje só quero e prezo pela verdade. A verdade de dizer o que sente, dizer que ama se for de coração, ou pedir para ir embora porque as coisas mudaram. Mas, quem é assim hoje em dia? Quem é verdadeiro consigo mesmo? E com os outros? Por que será que é tão difícil dizer a verdade? É falta de experiência ou de caráter? A escassez disso trouxe consequências. Toda verdade dita na cara é tida como arrogância, despeito, maldade. Toda verdade dita na lata é faca afiada, arma apontada no meio da cara. Mentiras confortam, afagam os cabelos, acariciam o rosto depois de um longo dia de trabalho. A verdade mata, a mentira salva. No fim, disse que estava mentindo, que eu não era exigente coisíssima nenhuma. Não acreditei. Alguém que mantém dois namoros - sem que os envolvidos saibam - ao mesmo tempo não merece dar qualquer opinião sobre verdade, e tampouco sobre caráter. Me levantei e fui embora antes que deixasse de acreditar de vez. Antes que começasse a acreditar que sim: verdades não rendem mais bons frutos.