quarta-feira, 25 de julho de 2012

O caso do precipício precipitado de vinte minutos.

Como uma estrela cadente que não é vista todo santo dia, Ana foi chamada para sair. As nuvens negras lá em cima indicavam um possível chuvisco, ou dilúvio quem sabe. Mesmo assim, ela pegou o capacete, deu a partida na moto e foi em direção ao local combinado. Vinte minutos depois ela havia chegado no seu destino. Entre alguns risos forçados, ela mantinha seu olhar fixo na pintura que decorava o quarto, enquanto ele não parava de olhar o movimento lá fora.

1) Não havia química.

Ana se sentia incomodada, com uma vontade de sair que ia dos pés a cabeça, fazendo seus lábios secarem de cinco em cinco segundos. Decidiu quebrar o gelo: você poderia me trazer um copo d'água? Ela não sabia que haveria de quebrar outras coisas naquela tarde insossa, com gosto de "já tô cheia, obrigado". Já deitada na cama, ela não parava de contar os furos da má pintura que era exibida no teto. Perguntou: há quanto tempo? Mais de quatro meses, ele respondeu.

2) Não havia assunto.

Isso explicava tudo, ou não explicava nada. Ana não tinha um ponto de vista, só queria ir embora. A sensibilidade em excesso da moça não permitia que ela saísse assim. Foi muito rápido... ela começou a tentar encontrar uma explicação. Pulamos o "seja bem-vindo", os beijos, as carícias, os vinte minutos de conversa furada, as dezenas de horas em almoços e jantares. E pular etapas não é meu forte. Pular etapas, pra mim, é pecado.

3) Não havia começado do começo.

Sem dar atenção a ela, ele balbuciou com a voz baixa: e tudo isso por que eu fui rápido? Discurso de gente boba, ele deve ter pensado, embora não tenha dito. Discurso que Ana fazia questão de deixar claro, mas há sempre uma visão distorcida. Enquanto chacoalhava o palheiro, nada caía, nenhuma gota de lágrima. Ela bateu a porta e foi embora, antes que fosse empurrada de mais um precipício. Não iria se desfazer de suas regras. Não por alguém que sequer tenha chegado perto de ser a agulha que ela esperava.

Caso encerrado.

Feliz dia do "Droga, cadê o papel e a caneta?"

Minha inspiração fez viagem sem volta, botou o pé na estrada, chutou o pau da barraca, foi sambar na lapa, não sei onde ela foi parar, desculpa, não sei. Justamente quando caminhava pela cidade, exatamente às nove horas da noite, me veio um conto inédito em frame e eu não tinha papel nem caneta por perto. Memória péssima, não gravei nada. Lembrei do dia em que eu fiquei preso em um texto sobre as minhas férias. Eu não havia viajado, não havia feito nada além de três coisas: comer, ver tv e dormir. Não passei da primeira linha, a exigência era no mínimo vinte. Entrei em estado completo de cólera, aflição. Estávamos eu, a folha de caderno, o lápis e ninguém sabia para onde ir exatamente. Eu: triste por não ter feito valer a pena meus trinta dias de ausência dos livros de química. A folha de caderno: mais intacta que a virgem maria. O lápis: rabiscando qualquer desenho fajuto, esquisito. Decidi ir no dia seguinte com a folha em branco. Estava prestes a receber um zero, quando lembrei de uma história que vi na TV. Troquei os personagens, sujeitos, advérbios de tempo e em poucos segundos transformei meus trinta dias de apatia, em algumas horas de entretenimento. A história não era minha e ninguém sabia, ou veio a saber até hoje. E quem nos lê sempre acha que tem sangue nosso respingando em alguma palavra, ora suja, ora santa. Só quem escreve sabe como dói. Só quem se coloca horas e horas diante de uma folha, sabe como é enlouquecer em ponto morto.  Não adianta forçar as idéias, a inspiração só surge quando a gente aparenta uma conformidade mórbida.

[25 de Julho, dia do escritor.]

domingo, 15 de julho de 2012

Viver mais que ontem.


Enquanto você se preocupa excessivamente com os problemas, a vida corre. Corre e não dá passos para trás. E nem pára. A vida nunca pára. Problemão. Dias curtos. Trabalho, faculdade, buscar filho na escola, um beijo na esposa, almoçar, tomar café-da-manhã, jantar, pagar contas e ainda fazer uma hora de esteira na academia. Haja fôlego. Sensação de que vou precisar de uma outra vida. Adicional. Essa não é suficiente. Que loucura. E ainda tem pessoas que conseguem adicionar nesse bolo de atividades: planejar um assalto, se vingar, falar da vida alheia, língua afiada, farpas saindo pelos dedos. Quanta coragem. Quanta burrice. E se um dia eu cair na mesmice, que me matem ou me joguem de um precipício. Que a rotina caia em mim, se essa façanha ela conseguir. Quero - e trabalho nisso constatemente - poder viver sentimentos novos todo santo dia. Sem nome, sem definição exata. Apenas um sorriso bobo e eu entrejo os pontos. Sensações estranhas, embrulhos no estômago, arrepios na nuca. Deveríamos mesmo era ia atrás de viver um pouco mais. E esquecer as desavenças, os problemas, as vaidades. Enlouquecer, observar, digerir com calma. Amar, receber carinhos sem fim, e amar mais um cadinho se der. Na medida certa, no momento oportuno. E se deixar crescer um pouco a cada dia. Através dos erros, das desculpas esfarrapadas, dos tiros que saem pela culatra. Viver é correr todo dia atrás de uma felicidade que não está nem aí para ser encontrada. E não está nem aí, nem aqui, nem escondida em lugar nenhum. Viver é felicidade, e felicidade é ver você aí tomando esse chá com cara de sono. Putz, se eu soubesse que a vida seria curta, eu teria vivido bem mais que ontem. Calma aí moço, ainda temos tempo de virar o jogo.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Pessoas rasas e pessoas fundas.

Nos domingos não fujo a regra: calorias provenientes de porcarias, filmes e corpo quase adormecido na cama. Mas quando se precisa escrever alguma coisa, dificilmente alguma história irá adentrar o portão da minha casa, bater na porta e percorrer facilmente pelos meus dedos. Aproveitei o ensejo de ser – praticamente – obrigado a ir a um aniversário, para tentar colher alguma coisa, pescar qualquer trecho de conversa, acontecimento que fizesse o meu cérebro criativo voltar a funcionar. Para o meu deleite, o lugar era melhor que a encomenda: piscina, campo de futebol, grama e árvores por todos os lados. Li um capítulo do livro Um dia [David Nicholls], que é atualmente meu livro de cabeceira, e resolvi botar um short (visto que esqueci a sunga) e cair na piscina. Meia hora depois de nadar, sentei na borda e comecei a observar as pessoas, e também, a própria piscina. Ela, assim como os seres humanos, está dividida em duas partes: rasa e funda. Rasa: para os desacreditados, inexperientes, com pouca ambição. Funda: para os otimistas, tímidos e de altura mais avançada. Bobeira, quem sabe nadar fica na parte funda e quem não sabe – ou não consegue tocar o pé no chão – fica na parte rasa. A verdade – e agora, deixando minha criatividade ultrapassar o palpável – é que há muitas pessoas adultas que nadam na parte rasa da piscina da vida. Não arriscam com medo de se afogar. Alimentam um medo monstruoso de molhar o cabelo, de não conseguir tirar a água do ouvido ou agüentar a ardência dos olhos. E existem aquelas pessoas que simplesmente saltam na água sem saber nadar. Morrem afogadas, quando não, clamam por respiração boca a boca. Às vezes se salvam, às vezes não. Assim como nossas branduras e perversidades se misturam para formar nossa personalidade, precisamos saber à hora de sermos rasos, e a hora de sermos fundos. Não dá para ser apenas uma coisa ou outra. Tudo vai depender do momento. É ele quem determina qual é o nosso próximo passo. Mas cuidado, depois de uma decisão tomada e corpo molhado, na vida – diferentemente de uma piscina – não existe escadinha na borda. Para toda ação há uma conseqüência.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

O homem frígido.

Desde que eu me entendo por gente, que eu tenho consciência de que o sexo lidera uma importante parcela de culpa quanto à felicidade de um casal, independente de gênero ou qualquer outra particularidade. Em uma sociedade assim, chegar a conclusão de que há a possibilidade de ser um homem frígido, soa extremamente assustadora. O homem frígido não faz amor, nem sexo. O homem frígido só faz uma coisa na cama: nada. Às vezes, tampouco fica a vontade. Quem fica com a tarefa de guiar é o outro. Certo, existem pessoas que se definem como dominadoras na cama, mas carregar um pedaço de gelo no colo é totalmente diferente de ter poder sobre a outra pessoa. O homem frígido – e deixo bem claro que esse texto também vale para as mulheres frígidas – não quer estar ali. Enquanto solta algumas poucas palavras ensaiadas, a mente voa longe da cama. Um verdadeiro, e literalmente, artista. Mas, ao contrário do que muitos possam achar, eu não acredito que isso seja uma característica, detalhe impregnado na personalidade. Eu acredito em escolhas erradas. Sexo casual com alguém não tão conhecido é algo que pode resultar em mãos e pés atados na cama. Daí você me pergunta: Se o cara não vai se entregar, por que aceitar um convite para uma noitada e nada mais? Coração, meus caros, coração. Quando gostamos de alguém, a razão é rouca. Nunca fui muito fã de desordem, sexo antes do casamento (tão comum nos dias de hoje). Nunca acreditei em lençóis amassados antes do primeiro beijo. O café na cama depois de um sono pesado, esse sim deve prolongar as coisas. Café na cama de um motel, depois de um sexo rápido, é fantasia, coisa de momento. Mas a ingenuidade é irmã do coração esperançoso. Ambas acreditam na ascenção do outro. Ambas acreditam no certo escrito por linhas tortas. E por mais sentimento que exista, na cama não sai nada. Amor sem interesse é o mesmo que comprar um bolo de banana porque o de chocolate acabou: não satisfaz, mas mesmo assim você vai lá e dá uma mordida porque acha que no final das contas não irá fazer diferença, ou que – inexplicavelmente – talvez seja mais saboroso. Pior: achando que você se enganará tão bem que enganará o outro. A constatação da frigidez é inevitável. O toque da boca quente na perna fria entrega o jogo. Assim mesmo, rápido, sem necessidade de pistas, assassino localizado. O motivo? O motivo nem tanto, é uma incógnita. Defendo o frígido porque já fui chamado de um. Não por quem dormiu comigo, mas sim por estranhos. Na palavra deles: eu tenho a feição de quem não pula do precipício. Feição de quem fica sempre na beirada do trampolim, com medo de pular, se entregar. Defendo o homem frígido porque – no meu caso – ele não existe. Não é frigidez ou preguiça, é saber a hora de desistir. É acreditar que uma saída casual possa virar um relacionamento formal. Depois dos primeiros arranhões nas costas, mordida nos lábios, corpo jogado ferozmente sobre a cama, a razão começa a tomar frente de tudo e a conclusão é só uma: merda, daqui só vai sair gemidos e saliva trocada. Corpo esfriando, jogo perdido, mãos colocadas em bolsos de uma calça imaginária, desistência involuntária: não quero só calorias jogadas fora. O outro perdendo tempo, diminuindo a velocidade dos atos, menos beijos, menos carinho, menos mão na coxa: frígido, ele pensa. Posso ser pedra de gelo ou água fervente: cada um terá de mim aquilo que merece.