sábado, 18 de agosto de 2012

Me respeite, eu sou um selenita.

Planando, vivendo na ponta dos pés. Cabeça na lua, projeções. Girafas, elefantes, nós dois: apenas nuvens. Se quiseres um pedaço do meu céu, vai ser preciso mais que um guarda-chuva para se proteger de um temporal. Se quiseres conviver com meu mel, vai ser preciso acostumar-se a meu fel. Se quiseres ser o centro da minha terra, corra, Lola, corra, o tempo está passando. Os ponteiros são rápidos, não perdoam, podem te transportar daqui em um piscar de olhos. Se quiseres que eu seja teu Picasso, vai ser preciso mais do que um desenho a óleo. Quero tinta guache, caneta, carvão, lápis de cor. Quero estampar toda a parede do teu quarto, do teu peito, vísceras, coração. Quero ser teu quadro que vale milhões. Nosso amor vai ser visitado, vai estrear em uma grande galeria no centro da cidade. Tinta azul no seu nariz, me aproximo e retiro com a ponta dos dedos. Quem dera fosse assim com a tristeza. Espanar para longe como se fosse poeira. Mas ela é cola, é glitter, impregna, causa infecção, destrói o sistema imunológico. Você está correndo? Não, não há tempo a ser perdido. Atravessa logo essa rua sem olhar para os dois lados, ninguém vive sem correr riscos. O sinal está verde, passa, passa enquanto eu estou aqui esperando, porque depois, ah, sinais vermelhos não voltam no tempo, comigo não tem segunda chance. Faltam poucos minutos, as portas estão quase de fechando. Quando tempo você vai me deixar na intermediação? Entre o sim e o não, entre a guerra e a salvação. Sai, sai de cima do muro que eu tenho um presente: o meu amor. E se você se desfizer dele como faz com as cartas que te escrevo, pode bater a porta e deixar a cópia da chave na mesa. Eu não preciso mais de amores fingidos, promessas batidas, lixo reciclado, palavras forçadas. Eu tenho tudo o que eu preciso bem aqui comigo: a esperança que chega com o dia de amanhã.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Todas as cores.

 Toda mentira é uma sombra. Toda verdade é uma santa. Todo desejo se esconde, na pele, embaixo dos escombros. Toda saudade machuca. Toda dor, um dia, evapora. Toda esperança é uma pistola, às vezes, sem nenhuma bala. De antemão, te aviso: sou o todo. De nada adianta o teu corpo, se o pensamento é em outro. De nada adianta o teu choro, se não é minha camiseta que encharca. De nada adianta as tuas palavras, se no meio do caminho elas são atropeladas. De antemão, te aviso: eu não me dou por vencido. Se eu fraquejo, caio de joelhos, é estratégia de jogo. Se eu não abro a porta quando você chega, é pra nos poupar de uma batalha. Se eu não te encontro às cinco, é porque já estou exausto: de ser esquecido. Deixa o rio secar, os peixes morrerem, a natureza esbravejar. Piso nas folhas secas, nos nossos últimos beijos. Piso no que restou de tudo que vivemos, nos últimos - e poucos - momentos. Piso nas fotos e esfrego com a sola do sapato. Fico de cócoras, cato os pedaços: não, não ficariam bem remendadas em um retrato.

domingo, 12 de agosto de 2012

Não existe dia dos pais.

Coloca no colo, no berço, empurra a bicicleta com rodinhas e depois sem. Coloca a roupinha quando a mãe se ausenta, leva pro clube, dá banho, compra salgado na padaria da esquina. Educa, alimenta, se esforça para estar sempre por perto. Dá o último centavo que tem no bolso pra você inteirar o picolé, gasta o salário inteiro naquele videogame caro, passa fome se for preciso, mas se você está sorrindo, ele sorri também. Se existe alguém que pode completar a gente, esse alguém é o nosso pai.

Foto de Michael (pai) e Vibe (filha), garotinha que morreu ainda criança devido um tumor.

Mãe que faz papel de pai, ou irmão, ou os avós, tios, não importa, quem te atura na adolescência é que merece seu abraço todo santo dia. A gente se conhece mesmo quando não troca uma palavra, um aperto de mão ou um abraço é suficiente, porque amor de pai ampara. Pai é aquele amigo que você decepciona várias vezes mas nunca te vira as costas, e sendo assim, é provavelmente a única pessoa que vai estar com você sempre. Vejo muita gente gastando rios de dinheiro, e eu mesmo gostaria de poder comprar o mundo, enfeitar com um lanço e dar pro meu pai, por que não? Ele me deu a vida, é o mínimo que eu poderia oferecer em agradecimento. Infelizmente não possuo uma conta bancária gorda, mas diferente de um estranho, um pai não liga se você dá meias novas ou um carro, o que importa é o "obrigado por tudo, eu te amo", é passar algumas horas juntos. Dia dos pais é ontem, hoje e amanhã. Para quem já perdeu o pai, essa data dói. Enquanto uns festejam, outros choram pela perda. Então, fica o conselho: passe o máximo de tempo possível que você puder com o seu velho enquanto ele existe aqui no presente, porque o futuro... a gente conhece bem, o futuro é incerto.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Bebi a última gota.

Não minto: fere, feriu, estava ferindo, cicatrizou, a ferida voltou a doer, estanquei, dormi e tudo ficou bem. É um processo, um ciclo, tão natural quanto o bater das asas de uma borboleta. E eu precisava chorar, enraivecer, te ligar de madrugada, me humilhar, pedir pra você voltar, enviar cartas, dedicar poemas, alfinetar. Eu precisava ir até o fim da linha, do poço, achar que não existia vida após você. Eu precisava deitar nos trilhos, desistir, achar que esquecia quando na verdade queria beber ainda mais de ti. Com pena ou devido um sentimento incessante de culpa, você me alimentava a conta gotas. Com medo de ficar só, eu cedia. No desespero a gente não enxerga a insuficiência, perde o valor de si mesmo, se maltrata, invalida: fica a preço de banana. Até que a visão vai ficando mais clara, menos turva. A respiração fica menos ofegante, estabiliza, nada de suor nas mãos ou pernas bambas: o coração não acelera mais. O tempo passou, vai passando, eu vou melhorando, esquecendo de vez, tomando outro rumo, provando de outras bebidas. Você? Ah, você não me desce mais, sinto muito: o gosto que adoçava minha boca, agora amargou.


terça-feira, 7 de agosto de 2012

Me ensina a sambar?

Chegou de mansinho, pôs a mão na minha cintura e começamos a rodar. E samba assim juntinho é? Eu pensei. Rodamos no meio do palco, no meio da rua, no meio da sala, no meio do quarto: entre quatro paredes vale tudo. Vale arranhão sem pudor, cambalhota e gargalhada, por que não? Sexo é despretensão, é arrancar do corpo as dores do dia, é inventar histórias pra marca no pescoço, é despir o outro lentamente, ferozmente, não importa: sexo é diversão. Mas e aí, vai me ensinar a sambar? Coloquei o meu pé sobre o outro pé, mão em volta do pescoço, olho no olho, pôs a mão na minha cintura e começamos a ensaiar. Juntinho? Isso é valsa, eu pensei. Dois pra lá, dois pra cá. Eu virava um copo de uísque e tu de refrigerante. Um medo de amar que doía o peito. Falou pra eu não me preocupar. E eu sentia uma segurança, tanta segurança que largava as mãos e fechava os olhos. Os pés não, esses ficavam fincados no chão. Querendo ou não, meu bem, a gente tem que arriscar, aceitar, dizer sim, confiar. A vida trata de ensinar de forma dura quem não sabe nadar. Olhava de forma doce, sua mão macia acariciava meu rosto. Não sabia se fazia parte da coreografia, ou se eu deveria pedir pra parar. Parar nunca, parar jamais, de hoje em diante eu só sigo em frente, só volto se for pra avançar um pouco mais. Só vou amar se for de corpo e alma, até o meu último fio de cabelo: Hein, mas e aí, me ensina a sambar?

sábado, 4 de agosto de 2012

Estupinópolis

O céu cinza e promessa de chuva marcam esta manhã em Estupinópolis. 


- Mário! Mário!
- O que foi? - Respondeu ele levantando levemente os olhos sobre a tela do computador.
- Sai desse computador, parece que vai chover, olha o céu.
- Não Ana, eu tenho que terminar de olhar meus e-mails.
- Não estou vendo nada em negrito aí, você já leu todos.
- Mas estou esperando a resposta de um.
- Bobagem, anda logo. Olha, os primeiros pingos estão caindo.
- Ahn... - Disse ele sem o menor interesse.
- Que bonito que é ver a chuva caindo. Antigamente essa hora a rua estava cheia de
jovens, andando descalços, correndo risco de pisar em caco de vidro...
- Hoje em dia preferimos ficar aqui, sem correr risco algum.
- É... a vida já foi melhor quando não existia tecnologia.
- A tecnologia veio para fazer o mundo avançar, sair da mesmice. Não diga besteira, Ana.
- Ah Mário... esse seu computadorzinho nunca irá fazer chover. Arco-íris só mesmo
se for fundo de tela. Eu vou lá fora, não quero ser como você.
- Vai vai - disse balançando as mãos - e me deixe em paz.

Ana saiu pelas ruas, pousando de biqueira em biqueira, cada qual com uma intensidade distinta de jato d'água. Não havia ninguém na rua. Imaginou que estivessem todos "aproveitando" para dormir ou qualquer coisa que as prendessem a atenção enquanto a melhor diversão acontecia do lado de fora. É sempre assim, as pessoas esquecem de aproveitar essas pequenas coisas. Sempre querem mais, sempre acham a novidade mais interessante e no fim, terminam frustradas, pensou ela. Enquanto voltava, começou a se sentir um pouco fraca e começou a espirrar.

- Mário! Mário! Abre a porta!
- Calma, já vai...

Ana entrou e pediu que ele fizesse um chá.

- Você está resfriada?
- Sim, culpa da chuva que acabei de tomar.
- Por isso que as pessoas não tomam banho de chuva, mocinha.
- Isso é consequência de se optar por viver, mocinho. - respondeu com desdém.
- Dispenso.
- Atchim! E mais, as pessoas não tomam mais banho de chuva porque estão submersas em uma estupidez eminente.